quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sem Essa Aranha - Rogério Sganzerla - Sábado 21horas





“Já fiz tudo que um branco podia fazer”, confessa o personagem principal de Sem essa Aranha. Depois de colocar os paulistas em transe, desencadeando uma nova onda de esquizofrenia paraindustrial entre cinéfilos e seguidores mais radicais — sem falar dos fãs de vanguarda e dos diluidores de carteirinha —, Rogério Sganzerla vem ao Rio mostrar que é realmente o melhor de todos.

Os três filmes dirigidos para a produtora Belair — a nossa Atlântida udigrúdi —, no primeiro semestre de 1970, precisam ser revistos. Da Boca do Lixo paulista para o Beco da Fome carioca, Rogério Sganzerla chegou tocando o terror:“sempre tive a impressão que o diabo ia com a nossa cara!”.

Sem essa Aranha foi o último filme da série carioca — e não deve nada às produções paulistas do diretor. O cineasta teve que sair do país às pressas, com as latas na mão. Os negativos foram levados a Paris e revelados no laboratório da Éclair. A associação entre Sganzerla e o ator Jorge Loredo é um dos maiores achados do cinema brasileiro.

O personagem Zé Bonitinho — tipo criado por Loredo para a TV, caricatura genial do cafajeste local, cafona e colonizado, o galã fracassado que no fim das contas se dá bem, resumindo: o picareta — se mistura tão bem com o Aranha do filme que parece até uma invenção do próprio Rogério.

Números musicais com Moreira da Silva e Luiz Gonzaga, stripteases, um pacto com o demônio, artistas de circo, masturbação e morte completam essa eletrizante chanchada psicodélica, apresentada em quinze planos-seqüência de tirar o fôlego e enquadrados com estilo pela câmera-na-mão de Edson Santos.

Estilhaços de Joyce, Rimbaud e — principal-mente — Oswald de Andrade ex plodem na tela:“reconheço e identifico o homem recalcado do Brasil, produto do clima, da economia escrava e da moral desumana que faz milhões de onanistas desesperados e de pe-derastas”. Um raio X do Rio e da tragicomédia brasileira.“O cinema não me interessa, mas a profecia”, dizia Rogério Sganzerla em 1968.

Remier Lion

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