terça-feira, 21 de junho de 2011

Santiago - João Moreira Salles (2007)







































Santiago, documentário de João Moreira Salles, é o resultado da montagem feita com imagens captadas 15 anos antes, quando Salles reencontra o antigo mordomo da família, Santiago, e se dispõe a fazer um filme sobre essa figura do seu passado.

Considerações sobre o material bruto de 1992 não cabem aqui discutir. Mas o resultado apresentado mais de uma década depois se apresenta como a conscientização de um erro. Salles admite sua falha: ao tentar retratar as singularidades de Santiago – uma pessoa que marcou a vida do diretor, principalmente durante seus tempos de infância na casa da Gávea – conseguiu, na verdade, retratar sua distância do antigo mordomo – ao que atribui suas intrínsecas e respectivas posições de ex-patrão e ex-criado. Santiago assim se apresenta: com seu personagem-objeto sempre ao fundo sendo constantemente manipulado no que dizer, como se posicionar. Salles explicita sua abordagem utilizando o material que seria cortado na edição – os “erros” de Santiago durante as manipulações de fala e gestos – usa re-takes para causar desconforto e estranheza no espectador e atesta o constructo de seu material com a narração off – feita pelo irmão, Fernando Moreira Salles – que questiona a veracidade dos fatos que as imagens trazem. Ao se questionar, Santiago discute as ambigüidades do documentário, as representações dentro desse gênero.








































Assim, Santiago pouco trata de Santiago, o ex-mordomo da família Salles. O documentário é um retrato de um erro, da conscientização de uma oportunidade perdida: não há mais como Salles reencontrar Santiago, que falecera logo depois das filmagens em 1992. Quando teve a oportunidade, encarou-a com esteticismo, direcionamentos e enquadramentos que quase perdiam Santiago ao fundo e não lhe deram a chance de se expressar e de ser o personagem que melhor lhe cabia – e o termo personagem cabe muito bem a Santiago – na frente da câmera. A Salles, então, só lhe restava falar sobre isso. O documentário parece ser um misto de lamento e orgulho de um erro que, admitido e explicitado, seria também um pouco redimido e transfigurado num pedido de perdão e uma homenagem ao homem presente naquelas imagens.

O filme parece, sim, ser sobre um erro, mas um erro de intenção. Nem em 1992, nem em 2007, o mordomo fora o verdadeiro alvo da câmera do diretor. Santiago nunca foi um filme sobre Santiago, e nem poderia ser. João Moreira Salles não procurava uma figura de seu passado, mas uma figura-chave que lhe abrisse os portões para suas lembranças, um norteador.

Enquanto filmava o mordomo, Salles perdeu a mãe. Pouco depois das gravações, o próprio Santiago viria a falecer e, depois dele, o pai de João. A morte é, sem dúvida, o mais forte dos sinais de perda, de esquecimento, de vazio. Salles, no seu desejo de encontro com tudo que acontecera na casa da Gávea, busca em Santiago – este bastante apegado ao passado com seu hobby de escrever resumos biográficos sobre a aristocracia de vários lugares e tempos históricos – uma ponte, um caminho.

É na procura, através de Santiago, de suas lembranças que o diretor se vê construindo-as. Salles questiona se aqueles móveis estariam mesmo ali ou qual a probabilidade daquela folha cair sobre a piscina justamente quando a câmera se encontrava posicionada e ligada… Santiago, mais do que criticar a representação no documentário, alega, muito timidamente, a necessidade de se representar aquilo que o tempo não permite mais, o contato em estado puro.

















Lembranças seriam construções artificiais de um material deslocado no tempo. É preciso um resgate no qual se arrisca perder mais do que já se encontra perdido. O diretor sente ter desperdiçado a última oportunidade de estar com Santiago enquanto buscava algo para além do antigo mordomo.

Confrontar-se com lembranças parece ser antes um confronto com a fabricação, a reelaboração do que já passou, a necessidade de auxílio para isso. E, por fim, o estranhamento desse processo, a dor de não atingir aquilo que se buscava, o sobressalto ao se notar que a todo o momento algo fica pra trás.

Por Juliana Panini Silveira - Graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

07/07 - QUINTA - 19 HORAS -  Videoteca João Carriço ( AV. Rio Branco, 2234 (Prédio da Funalfa)- Centro)  

Novos Clássicos do Cinema Brasileiro

terça-feira, 14 de junho de 2011

Lavoura Arcaica



Por Daniela Sandler: 

“Lavoura Arcaica impressiona para além do formalismo e fornece momentos memoráveis, em especial o diálogo entre André (Selton Mello) e o pai (Raul Cortez). Raul Cortez consegue manter, ao mesmo tempo, a teatralidade das falas e o naturalismo do meio (cinema): declama o texto respeitando sua complexidade e o artifício da cena, mas as palavras soam inatas, inevitáveis, como se outra coisa não pudesse sair de seus lábios. É teatral, não forçado. A isso, junta expressividade física que, mesmo com o personagem sentado e quase imóvel, comunica imensa variação e intensidade emocionais (excelente exemplo de virtuosismo contido, talento e concisão). Sua interpretação vale o filme.”


16/06 - QUINTA - 19 HORAS -  Videoteca João Carriço ( AV. Rio Branco, 2234 (Prédio da Funalfa)- Centro)  


Mostra Novos Clássicos do Cinema Brasileiro



O Cineclube Bordel Sem Paredes começa a nova década traçando um panorama da produção nacional dos últimos dez anos, filmes que sem dúvida alguma, podem figurar entre os grandes clássicos do cinema nacional. Grandes diretores como Andrea Tonacci e novos nomes como Karin Aynouz mostraram que mesmo diante dos filmes Rede Globo, ainda é possível assistir belas produções com padrão estético elevado e roteiros brilhantes. Convidamos a todos a assistir e discutir esses novos clássicos para que possamos entender o momento atual da produção nacional, observar e pensar nossa realidade nesses filmes que revelam diversos Brasis.














16/06 -  Lavoura Arcaica (2001) Luiz Fernando Carvalho
Densa e poética adaptação do romance de Raduan Nassar, o diretor traduz de forma brilhante e inesquecível recursos essencialmente literários, transformando sensações em imagens igualmente impactantes.













07/07 – Santiago (2007) João Moreira Salles
A relação do diretor com Santiago, o mordomo da família,  ilumina o lugar incômodo de certa elite social diante do mundo do trabalho e da cultura, um corajoso processo de autoexposição do diretor .
















14/07 – O Invasor (2002) Beto Brant 
Ligações perigosas entre o capital e o crime aparecem em cenas de densidade psicológica e muita ação.














21/07 – Serras da Desordem (2006) Andrea Tonacci 
O grande diretor Tonacci se vale de imagens de arquivo e da reencenação, para compreender o conflito entre duas culturas, o homem branco e o índio.













28/07 - Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009) - Karin Aynouz e Marcelo Gomes
Um inusitado road movie onde um geólogo se aprofunda no sertão para estudas as condições de transposição de um rio. Do contraponto entre o que se vê e o que se ouve, os diretores constroem um híbrido de ficção e documentário que tira o máximo proveito da precariedade das imagens.



A partir de agora, os filmes do cineclube serão exibidos todas as quintas-feiras 19horas – Videoteca João Carriço ( AV. Rio Branco, 2234 (Prédio da Funalfa)- Centro)