segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mostra Glauber Sem Paredes - Curtas do Glauber




A Mostra Glauber Sem Paredes, apresenta nesta quinta-feira uma seleção de alguns curtas e média metragens produzidos por Glauber Rocha. Os curtas que serão exibidos, refletem um pouco de todas as fases do universo glauberiano. Em um tempo onde a arte virou algo totalmente superficial, é uma bela experiência ter contato com a estética revolucionária do cinema de Glauber Rocha. O mais impressionante é que esses filmes permanecem atuais, as idéias de Glauber continuam pulsando, vivas, gritando na nossa cara e nos causando náusea diante da realidade.




O PÁTIO (1959) -  11 minutos 



“Procuramos, humildemente, fugir das facilidades “criativas” que a literatura e as artes plásticas (como também a música) poderiam nos oferecer e procurar o que se julgaria difícil ou impossível: organizar um universo fílmico que vivesse por si mesmo, sem saber, de princípio, a problemática humana que surgiria daí. O processo de trabalho foi simples: como duas figuras humanas – macho e fêmea -, jogadas sobre um pátio em preto e branco com vista par o mar e céu e cercado por folhagem, partimos como a câmara, utilizada como instrumento, em busca do visual mais limpo, mais depurado, e que sairia do seu estado real para o estado de poeticidade, através unicamente da solução de enquadramento, do ponto-de-vista seletivo do cineasta em busca de elementos válidos que, na sala de montagem, lhe propusessem o problema de “criar” o organismo rítmico, o filme em seu estado de cinema enquanto cinema. É certo que a utilização de figuras humanas criou, dentro da lógica fílmica, uma pequena anedota. Todavia cremos que esta fica isolada em segundo plano desde quando o que imporá, fundamentalmente, é o clima fílmico, a nova dimensão de poeticidade que a peça cria. “Pátio” não quer “dizer” nada, não quer “discursar ou narrar’ essa ou aquela atitude humana, mas tão-somente criar em seu próprio âmbito aquilo que encontraríamos no grego Cacoyanis e no Kubrick de “A Morte Passou por Perto”: “estados” que só podem ser criados pelo enquadramento e pela montagem, os materiais de trabalho do cineasta consciente do seu ofício. A afirmação pode parecer pretensiosa, mas é apenas uma atitude honesta frente ao cinema que, no certo dizer do crítico Cláudio Bueno Rocha, não passa, hoje em dia, de simples arte de entretenimento. (Glauber Rocha, in “Jornal do Brasil, RJ, 29 de março de 1959, Suplemento Dominical)


Di GLAUBER (1977) - 19 minutos


"Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu. No caso o filme é uma celebração que liberta o morto de sua hipócrita-trágica condição. A Festa, o Quarup - a ressurreição que transcende a burocracia do cemitério. Por que enterrar as pessoas com lágrimas e flores comerciais? Meu filme, cujo título, dado por Alex Viany, é Di-Glauber, expõe duas fases do ritual: o velório no Museu de Arte Moderna e o sepultamento no Cemitério São João Batista. É assim que sepultamos nossos mortos.
Chocado pela tristeza de um ato que deveria ser festivo em todos os casos (e sobretudo no caso de um gênio popular como Emiliano di Cavalcanti) projetei o Ritual Alternativo; Meu Funeral Poético, como Di gostaria que fosse, lui.... o símbolo da Vida... No campo metafórico transpsicanalítico materializo a vitória de São Jorge sobre o Dragão. E, no caso de uma produção independente, por falta de tempo e dinheiro, e dada a urgência do trabalho, eu interpreto São Jorge (desdobrado em Joel Barcelos e Antônio Pitanga) e Di-O Dragão. Mas curiosamente Eu Sou Orfeu Negro (Pitanga) e Marina Montini, dublemente Eurídice (musa de Di), é a Morte. Meus flash-backs são meu espelho e o espelho ocupa a segunda parte do filme, inspirado pelo Reflexos do Baile, de Antônio Callado, e Mayra, de Darcy Ribeiro. Celebrando Di recupero o seu cadáver, e o filme, que não é didático, contribui para perpetuar a mensagem do Grande Pintor e do Grande Pajé Tupan Ará, Babaraúna Ponta-de-Lança Africano, Glória da Raça Brazyleira! A descoberta poética do final do século será a materialização da Eternidade." Di (Das) Mortes, GlauberRocha, texto mimeografado, distribuído na sessão do filme em 11 de março de 1977 na Cinemateca do MAM.

                                                                                                                                                                
AMAZONAS AMAZONAS (1966) - 15 minutos
  
Primeiro filme a cores de Glauber Rocha, a produção feita por encomenda começa como um documentário clássico sobre as belezas e riquezas da região amazônica. Até que a verve glauberiana irrompe tanto na conformação do quadro quanto na locução abertamente nacionalista.
“Cheguei no Amazonas com uma idéia pré-concebida e descobri que não existia a Amazônia lendária e mágica, a Amazônia dos crocodilos, dos tigres, dos índios, etc...(“Revolução do Cinema Novo”, pg 79).
Obs: primeiro ensaio a cores de Glauber, rodado entre “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Terra em Transe”.



JORJAMADO NO CINEMA (1979) - 37 minutos 
Jorjamado no Cinema foi feito para um programa de televisão consagrado ao escritor Jorge Amado. Nesse documentário, Jorge Amado é filmado em sua casa, rodeado por sua numerosa família; numa livraria, durante uma sessão de autógrafos de um de seus livros, em um cinema em Salvador, na avant-première do filme Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos, adaptação do livro homônimo de Jorge Amado. Glauber filma seu amigo com muito humor e carinho. A câmera vai evoluindo lentamente, sem cessar e com rapidez sobre o escritor, seus familiares, atores e atrizes do filme de Nelson, além de passar por objetos de rituais de candomblé que constituem o museu de Jorge Amado.



MARANHÃO 66 (1966) - 11 minutos 
Documentário que registra a posse de José Sarney como governador do Maranhão. Foi financiado pelo próprio evento que marcou o início do domínio político da família Sarney no Estado, que perdura até hoje. Em contraponto ao discurso de posse e da multidão em celebração, o filme mostra a miséria da população a ser governada. 


“É uma reportagem sobre as eleições de um governador (José Sarney) no Maranhão; é muito importante para mim, porque o filmei com som direto e foi uma experiência muito útil para “Terra em Transe” porque participei das etapas de uma campanha eleitoral”. Glauber Rocha - “O Estado de Minas” – 13/05/1980.

QUINTA - 03/11 - 19 HORAS NO ANFITEATRO JOÃO CARRIÇO -  (Av. Rio Branco, 2234 (Prédio da Funalfa) - Centro)

Matéria no site do Observatório da Diversidade Cultural


Diversidade na tela e na plateia

Como pensar os cineclubes como espaço para as expressões da diversidade cultural?
Cinemas e cineclubes partilham da mesma necessidade que os originaram: organizar o acesso e a distribuição dos filmes. Mas os clubes de cinema vieram com uma necessidade a mais: a participação e diálogo entre espectadores e criadores. Talvez seja isso o que ofereça ao movimento cineclubista um contexto próprio muito peculiar.
Há uma articulação que liga vários agentes, produtores e espectadores em rede; há um conselho nacional que promove ações e discute políticas para o segmento; há programas importantes e consolidados em territórios indígenas e comunidades mais distantes dos grandes centros etc. No Plano Nacional de Cultura, há diversas ações ligadas tanto para Cinema, quanto para Cineclube.
Como, afinal, podemos pensar o audiovisual e os cineclubes como linguagem e espaço que conseguem ser abrangentes tanto em termos de articulação e mobilização política, quanto em temos do encontro de singularidades?
Gilvan Dockhorn, secretário geral do Conselho Nacional de Cineclubes, lembra que, na era do que o escritor Giovanni Sartori chamou de “Homo Videns” somos “seres audiovisuais”. Isso quer dizer que nossa significação do mundo e criação de sentidos passa por conteúdos de áudio e imagem. Dockhorn também é professor de História e da área de Humanidades da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), e coordena o Cineclube Abelin Nas Nuvens de Silveira.
“Mesmo que atualmente possamos perceber que o público tenha se formado no processo de desenvolvimento e institucionalização do cinema, o público se ampliou ao conjunto das indústrias culturais, das linguagens, dos suportes e formas de relação entre a criação e a recepção, cuja intermediação é apropriada pelo capital”, explica Gilvan. Para ele, o público somos todos os que não dominam ou possuem os meios de produção e distribuição da informação/conhecimento ou o resultado da produção – sempre coletiva – da cultura.
Segundo ele, mais de 90% dos municípios do país não contam com salas comerciais de cinema. Nesse cenário, a onda crescente de cineclubes que se constituem como espaços não apenas culturais, mas de politização da cultura no sentido de entendê-la como direito fundamental, se soma às iniciativas de garantia de acesso e apropriação de sentidos que a obra audiovisual propicia.
Com isso, os cineclubes configuram-se como espaço para a diversidade cultural e se fortalecem ao se colocarem abertos às diferentes manifestações ideológicas, desde que não representem segregação, intolerância ou preconceitos. “Isso não acontece nas salas comerciais porque elas são inviáveis em municípios com menos de 100.00 habitantes, que não representam o lucro necessário, uma vez que elas ignoram áreas deste tipo e compreendem o público como consumidor”, explica o professor.

Organização
O Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros – CNC comemora 50 anos congregando mais de 400 cineclubes de todo o país. A entidade representativa e sem caráter partidário, reúne cineclubes e cineclubistas e os organiza com características institucionais e estatutárias legais. “O CNC é a organização política dos cineclubes, assim, a participação efetiva fica condicionada à participação em alguma atividade cineclubista. No próximo mês, iniciaremos uma campanha de recadastramento em todo o país”, conta Gilvan.
O Secretário explica que o CNC e o cineclubismo organizado são espaços de debate e de mobilização em torno dos direitos do público no campo do audiovisual. “O movimento como instituição e como forma de organização específica de defesa do público não visa lucro ou remunera seus quadros, nem busca uma reforma criativa da gestão das leis de mercado, através de novos modelos de negócio. Não compreendemos a possibilidade inovação no mercado como forma de garantir a socialização bens culturais”, afirma Dockhorn.
Para acompanhar os trabalhos do CNC, é preciso pedir a inclusão da lista CNC Diálogo, que conta hoje com quase 2.000 participantes. O pedido pode ser feito por meio do site do CNC.

Sem paredes
Em Juiz de Fora (MG), Daiverson Machado é um dos idealizadores do cineclube “Bordel Sem Paredes”. Aluno do curso Desenvolvimento e Gestão Cultural oferecido pelo ODC/Pensar e Agir com a Cultura, naquela cidade, em 2010, Daiverson foi instigado a pensar nas necessidades culturais do município. “Apaixonado por cinema, logo expus a falta de um espaço de exibição de filmes fora do circuito comercial e de reflexão crítica”, lembra.
A partir disso, surgiu o Cineclube Bordel Sem Paredes, que já é filiado ao CNC, e conta com programação de mostras e exibições semanais, que acontecem às quintas-feiras, no Anfiteatro João Carriço/FUNALFA, às 19horas.
“O perfil dos participantes é bem eclético, contamos com senhores da terceira idade, donas de casa, estudantes, professores, artistas e cinéfilos etc. O que atende a um dos nossos principais desejos, que é trazer uma diversidade de público para difusão e democratização desse cinema”, conta Machado.
Para ele, o cineclubismo é uma atividade essencialmente coletiva e o contato com a arte cinematográfica proporcionado pelo cineclube vai totalmente ao contrário de toda onda digital e virtual vista hoje: pessoas preferindo fazer downloads dos filmes e assisti-los na tela do computador em suas casas, ou então assistir ao mais novo blockbuster no cinema do shopping, com a namorada e um saco de pipoca. “O que vejo como mais importante em um cineclube é a troca de idéias e o compartilhamento de emoções. É importante que todos nós sejamos leitores, espectadores e estejamos abertos para qualquer filme, é estar sem paredes no pensamento”, diz.

Para saber mais sobre o cineclubismo:
Observatório Cineclubista Brasileiro – http://www.culturadigital.br/cineclubes/
Conselho Nacional de Cineclubes – http://cncbrasil.wordpress.com/cnc-brasil/
Cineclube Bordel Sem Paredes – http://bordelsemparedes.blogspot.com/
Programa Cine Mais Cultura – http://www.cinemaiscultura.org.br/

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Idade da Terra


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MOSTRA GLAUBER SEM PAREDES

O Cineclube Bordel sem Paredes, tem o orgulho de apresentar a mostra "Glauber sem Paredes", para celebrar um dos personagens mais intrigantes da história brasileira recente. O cineasta Glauber Rocha, trinta anos após sua morte continua a provocar reflexões sobre o cinema, tanto pela qualidade e inovação, quanto pelas propostas revolucionárias que se mantém atuais. A mostra começa nesta quinta-feira com o filme "A Idade da Terra" as 19 horas no Anfiteatro João Carriço com entrada franca. 

A mostra segue no dia 03/11, com a exibição dos principais curtas-metragens produzidos pelo cineasta: "Di Glauber" filme polêmico filmado no funeral do pintor modernista Di Cavalcanti, "Maranhão 66" produzido durante a campanha eleitoral de José Sarney ao governo do Maranhão, "Jorjamado no Cinema" sobre o escritor baiano e "O Pátio" primeiro filme experimental do cineasta.  No dia 10/11 a participação de Glauber Rocha no Programa Abertura da TV Tupi, será exibida em imagens inéditas e raras e pra finalizar "Barravento", primeiro longa-metragem de Glauber Rocha será exibido no dia 17/11, todos no Anfiteatro João Carriço, sempre as 19 horas. 

Dono de uma produção extensa e singular, Glauber Rocha foi uma figura importantíssima dentro da história recente do país, trazendo discussões e debates acerca da arte, da cultura, da política e da sociedade. Tanto do ponto de vista estético e formal, quanto do ponto de vista da problemática social, suas obras nunca se conformaram com um padrão pré-estabelecido de criação, trazendo diversas reflexões e problematizando o cinema, a organização social brasileira e o papel do intelectual e artista dentro do processo de transformação dessa realidade.

Foi um artista atuante, que nunca parou de pensar, discutir e tentar transformar a realidade do país. Como porta-voz do Cinema Novo, Glauber Rocha influenciou cineastas latino-americanos e foi um dos precursores do conceito de mostrar na tela a realidade política, indo contra a censura, a comercialização e a exploração.

O diretor brasileiro foi capaz de lidar com a experimentação estética de vanguarda em diversos níveis – do roteiro e da fotografia ao trabalho literário com a palavra e experiências de montagem radicais – chocando com suas imagens da pobreza e da fome.


A IDADE DA TERRA - QUINTA-FEIRA - 27/10 - 19 HORAS

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"Mosaico sinfônico. A Idade da Terra se insere solidamente dentro da tradição artística latino-americana. A proposta de aprisionar o espírito de uma nacionalidade numa só obra remete direto aos muralistas mexicanos. A imagem de Rivera - ou seria Siqueiros? - em cima de uma escada, pincel na mão, diante de uma superfície imensa que reduzia a bem pouco o tamanho do artista, compondo em figuras toda a história de seu povo evoca a de Glauber Rocha envolvido anos a fio nos quilômetros de fita que ele mesmo gerou na fadiga quixotesca (ou dantesca?) de contar seu país. O exacerbamento nacionalista de sua obra, despido agora de qualquer compromisso narrativo, encontra enfim seu estado puro. Como se não existisse a dimensão do tempo "só o real é eterno” - o filmemural dispõe seus blocos de significados espacialmente, numa estrutura atonal que avança por rupturas entre a Bahia, Brasília e Rio. Nascimento de Cristo, Cristo-povo e Cristo-Rei, Cristo guerreiro e Cristo profeta, o mundo sem Cristo e por toda a parte, Brahms, o anti-Cristo. Esta parábola, em si mesmo uma sucessão de parábolas, e disposta como num quadro de batalha em que há varias ações simultâneas e o olho passeia dentro dele, ordenando-as. (...)"

Deus e o Diabo na Idade da Terra em Transe, de Gustavo Dahl
em Jornal do Brasil
Rio de Janeiro, 25/nov./1980.