segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Terror Nacional

Dois representantes do terror nacional de ontem e de hoje vão tomar a tela do Cineclube Bordel Sem Paredes nesta quarta às 19 horas: O clássico marginal dirigido por José Mojica Marins,  "A Meia Noite Levarei sua Alma" de 1964 e o apavorante curta "Amor Só de Mãe" de Dennison Ramalho, um dos mais premiados curtas brasileiros da história.



Amor Só de Mãe - Dennison Ramalho (2003) 
Livremente inspirado no trágico samba-canção “Coração Materno”, de Vicente Celestino, a história se passa em uma aldeia de pescadores, onde acontecimentos macabros se desenrolam numa noite de satanismo, morte e orações à Nossa Senhora da Cabeça. Estrelado por Everaldo Pontes, Vera Barreto Leite e Débora Muniz, o filme é uma (rara) história de horror de matriz brasileira, e teve a colaboração, no roteiro, do pai de santo Pai Alex, do Terreiro de Umbanda do Pavilhão 8 da Casa de Detenção de SP.



A Meia Noite Levarei sua Alma - José Mojica Marins (1964)

O coveiro de uma pequena e supersticiosa cidade está cansado de sua ocupação e do pensamento mítico do povoado. Seu único desejo é encontrar uma mulher digna de carregar seu filho, que dará continuidade ao seu sangue. Para isso tem que se livrar de sua esposa incapaz de engravidar e encontrar uma nova companheira, sendo seu primeiro alvo a mulher de seu melhor amigo. À meia noite levarei sua alma, de 1964, é o começo da trilogia de Zé do Caixão. Seguem Esta noite encarnarei no teu cadáver, de 1967 e Encarnação do Demônio, de 2008. José Mojica Marins, diretor, roteirista e protagonista da trama é com certeza o maior e mais cultuado representante do horror no cinema brasileiro. Terror mambembe, terceiromundista, portanto pobre & original.O próprio diretor/roteirista assumiu o papel do sádico coveiro em sua busca insana pela mulher-perfeita-que-lhe-daria-o-filho-superior.Tudo regado com blasfêmias,sexo e violência.

QUARTA - 19HORAS - ANFITEATRO JOÃO CARRIÇO ( AV. Rio Branco, 2234 (Prédio da Funalfa)- Centro)  

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Paulo Emílio Salles Gomes




“Dar as costas ao cinema brasileiro é uma forma de cansaço diante da problemática do ocupado e indica um dos caminhos de reinstalação na ótica do ocupante. A esterilidade do conforto intelectual e artístico que o filme estrangeiro prodiga faz da parcela de público que nos interessa uma aristocracia do nada, uma entidade em suma muito mais subdesenvolvida do que o cinema brasileiro que desertou.” 

(Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento, SALLES GOMES, Paulo Emílio, Paz e Terra, 1986, 2ª edição)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

PANCINEMAPERMANENTE por Cléber Eduardo







































“Vida é sonho”, repete Waly Salomão em Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader, em consonância com outras de suas afirmações, nas quais se coloca do lado da opacidade e não da transparência, da necessidade da mentira para a sobrevivência e não necessariamente da verdade. Estamos no território da performance, das potências do falso, das máscaras e de toda sorte de artifícios, no solo de Nietszche, com aparência como marca distintiva e mediação da relação com o(s) outro(s).

Em dado momento, sabemos que o diretor, ao registrar as reações de Waly Salomão à câmera em diversos cantos do mundo, da Amazônia a Síria, deseja um momento relaxado, de distração de seu personagem, um instante no qual ele não esteja com plena consciência da lente, no qual abandone a encenação e, simplesmente, nos dê uma ausência de cena. Um momento sem máscaras, ou com menos máscaras, busca Nader, atribuindo à sua máquina, portanto, a potência do desvendamento e do desmascaramento. Nader quer uma câmera que, em relação a Waly Salomão, dispa-o de seus artifícios cênicos. No entanto, em vez da câmera despi-lo, Waly se constrói nela. E ela se constrói nele. Não se trata de um registro “sobre”, nem “com”, mas em Waly Salomão. Nader nada revela de Waly Salomão, mas Waly revela algo de Nader, porque, se como objeto o personagem se faz sujeito, Waly ultrapassa esse efeito de inversão de poder entre os dois lados da câmera, dirigindo a cena diante da câmera (especialmente na TV Síria), e revelando a capacidade de quem está atrás dela (Nader), de se fundir ao ator e mestre de cena captado pela lente.




















Nader não conseguiu o instante de distração e relaxamento de seu performático objeto-sujeito, nem mesmo quando o filma dormindo, na verdade um efeito de uma interpretação, de um fingir dormir para a câmera, como o próprio diretor afirma em uma conversa com Antonio Cícero. Waly Salomão é uma cena ambulante e permanente, um pan-cinema constante, a personificação da vida pública, do teatro em praça, da imagem em seu tempo histórico (o tempo histórico da imagem), sem dar chance para uma autenticidade sem artifícios. Waly tem consciência do poder de uma câmera, das possibilidades vampirescas e intrometidas do aparato, e sua performance é uma espécie de contra-ataque, estratégia para usar a câmera em vez de ser usado por ela, consciência aguda do jogo de poder entre quem está atrás do visor e diante da lente, jogo esse conduzido por ele sempre com vitória e modelação do aparato a sua encenação.

Assumindo a opacidade reivindicada por Waly, Nader já começa sua fragmentada narrativa com um sinal de reflexividade, repetindo a entrada triunfal de Waly pela porta de um apartamento, já mostrando tratar-se de uma cena combinada, e seguindo a performance física e verbal do artista em um plano-sequência enunciador da proposta estética: uma soma não-organizada de momentos de Waly, com variações de luz, texturas sensíveis e de lindas conseqüências visuais (poéticas, na falta de termo menos vago), tendo como material o pulsar transbordante da imagem do poeta baiano.

Se ouvimos lá algumas vozes celébres sobre Waly, sobre o estilo Waly, se essas vozes às vezes ganham imagens, nos colocando o material em uma paralela de procedimentos padrões do documentário “sobre” uma personalidade singular, Pan-Cinema Permanente, sem deixar de nos colocar em algum lugar do mesmo caminho de I’m not There, de Todd Haynes, diante de uma esfinge que tem controle de sua imagem, se sustenta como exercício de sensibilidade. Se estamos diante do personagem/representação, resta à obra tornar-se pura linguagem, não no sentido de soma de signos encadeados para transmitir sentidos, mas no sentido de reunião de fragmentos audiovisuais com os quais se constrói um mundo sensível, um universo poético e artístico, que não toca o real, mas se serve da intervenção da câmera e da cena produzida no real para, obra pronta, nos possibilitar estar em contato com instantes formalizados por um aparato e a reação a ele.

Alterar! Esse é o verbo-chave de Waly, segundo ele próprio, e esse será o conceito-chave de Nader. Altera-se a luz com leve movimento de câmera, altera-se do preto e branco para cores discretas em seu balanço, altera-se uma ordenação do material, altera-se o enquadramento de acordo com a direção do ator em cena (Waly). Alteração como estado do homem de fronteiras, do artista fronteiriço, do cinema dos limites (nos limites), que está sempre em busca do ainda não encontrado, mas muitas vezes tendo de se construir com essa busca sem revelações, a não ser a revelação da busca. Talvez pudéssemos pensar essa busca ao lado de outras não menos potentes, como a de Paula Gaitan em Diário de Sintra ou a de David Perlov em seus Diários, também obras nas quais a câmera está em busca de desnudamento, mas só nos tem a ofertar imagens embebidas do olhar de quem as registra ou provoca. Portanto, Pan-Cinema Permanente é sobre Carlos Nader, sobre sua exitosa busca sem sucesso, sem alcançar um momento de não-performance de Waly.

QUARTA - 19/01/11 - 19HRS - Videoteca João Carriço