A Mostra Glauber Sem Paredes, apresenta nesta quinta-feira uma seleção de alguns curtas e média metragens produzidos por Glauber Rocha. Os curtas que serão exibidos, refletem um pouco de todas as fases do universo glauberiano. Em um tempo onde a arte virou algo totalmente superficial, é uma bela experiência ter contato com a estética revolucionária do cinema de Glauber Rocha. O mais impressionante é que esses filmes permanecem atuais, as idéias de Glauber continuam pulsando, vivas, gritando na nossa cara e nos causando náusea diante da realidade.
O PÁTIO (1959) - 11 minutos
“Procuramos, humildemente, fugir das facilidades “criativas” que a literatura e as artes plásticas (como também a música) poderiam nos oferecer e procurar o que se julgaria difícil ou impossível: organizar um universo fílmico que vivesse por si mesmo, sem saber, de princípio, a problemática humana que surgiria daí. O processo de trabalho foi simples: como duas figuras humanas – macho e fêmea -, jogadas sobre um pátio em preto e branco com vista par o mar e céu e cercado por folhagem, partimos como a câmara, utilizada como instrumento, em busca do visual mais limpo, mais depurado, e que sairia do seu estado real para o estado de poeticidade, através unicamente da solução de enquadramento, do ponto-de-vista seletivo do cineasta em busca de elementos válidos que, na sala de montagem, lhe propusessem o problema de “criar” o organismo rítmico, o filme em seu estado de cinema enquanto cinema. É certo que a utilização de figuras humanas criou, dentro da lógica fílmica, uma pequena anedota. Todavia cremos que esta fica isolada em segundo plano desde quando o que imporá, fundamentalmente, é o clima fílmico, a nova dimensão de poeticidade que a peça cria. “Pátio” não quer “dizer” nada, não quer “discursar ou narrar’ essa ou aquela atitude humana, mas tão-somente criar em seu próprio âmbito aquilo que encontraríamos no grego Cacoyanis e no Kubrick de “A Morte Passou por Perto”: “estados” que só podem ser criados pelo enquadramento e pela montagem, os materiais de trabalho do cineasta consciente do seu ofício. A afirmação pode parecer pretensiosa, mas é apenas uma atitude honesta frente ao cinema que, no certo dizer do crítico Cláudio Bueno Rocha, não passa, hoje em dia, de simples arte de entretenimento. (Glauber Rocha, in “Jornal do Brasil, RJ, 29 de março de 1959, Suplemento Dominical)
Di GLAUBER (1977) - 19 minutos
"Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu. No caso o filme é uma celebração que liberta o morto de sua hipócrita-trágica condição. A Festa, o Quarup - a ressurreição que transcende a burocracia do cemitério. Por que enterrar as pessoas com lágrimas e flores comerciais? Meu filme, cujo título, dado por Alex Viany, é Di-Glauber, expõe duas fases do ritual: o velório no Museu de Arte Moderna e o sepultamento no Cemitério São João Batista. É assim que sepultamos nossos mortos.
Chocado pela tristeza de um ato que deveria ser festivo em todos os casos (e sobretudo no caso de um gênio popular como Emiliano di Cavalcanti) projetei o Ritual Alternativo; Meu Funeral Poético, como Di gostaria que fosse, lui.... o símbolo da Vida... No campo metafórico transpsicanalítico materializo a vitória de São Jorge sobre o Dragão. E, no caso de uma produção independente, por falta de tempo e dinheiro, e dada a urgência do trabalho, eu interpreto São Jorge (desdobrado em Joel Barcelos e Antônio Pitanga) e Di-O Dragão. Mas curiosamente Eu Sou Orfeu Negro (Pitanga) e Marina Montini, dublemente Eurídice (musa de Di), é a Morte. Meus flash-backs são meu espelho e o espelho ocupa a segunda parte do filme, inspirado pelo Reflexos do Baile, de Antônio Callado, e Mayra, de Darcy Ribeiro. Celebrando Di recupero o seu cadáver, e o filme, que não é didático, contribui para perpetuar a mensagem do Grande Pintor e do Grande Pajé Tupan Ará, Babaraúna Ponta-de-Lança Africano, Glória da Raça Brazyleira! A descoberta poética do final do século será a materialização da Eternidade." Di (Das) Mortes, GlauberRocha, texto mimeografado, distribuído na sessão do filme em 11 de março de 1977 na Cinemateca do MAM.
AMAZONAS AMAZONAS (1966) - 15 minutos
Primeiro filme a cores de Glauber Rocha, a produção feita por encomenda começa como um documentário clássico sobre as belezas e riquezas da região amazônica. Até que a verve glauberiana irrompe tanto na conformação do quadro quanto na locução abertamente nacionalista.
“Cheguei no Amazonas com uma idéia pré-concebida e descobri que não existia a Amazônia lendária e mágica, a Amazônia dos crocodilos, dos tigres, dos índios, etc...(“Revolução do Cinema Novo”, pg 79).
Obs: primeiro ensaio a cores de Glauber, rodado entre “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Terra em Transe”.
JORJAMADO NO CINEMA (1979) - 37 minutos
Jorjamado no Cinema foi feito para um programa de televisão consagrado ao escritor Jorge Amado. Nesse documentário, Jorge Amado é filmado em sua casa, rodeado por sua numerosa família; numa livraria, durante uma sessão de autógrafos de um de seus livros, em um cinema em Salvador, na avant-première do filme Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos, adaptação do livro homônimo de Jorge Amado. Glauber filma seu amigo com muito humor e carinho. A câmera vai evoluindo lentamente, sem cessar e com rapidez sobre o escritor, seus familiares, atores e atrizes do filme de Nelson, além de passar por objetos de rituais de candomblé que constituem o museu de Jorge Amado.
MARANHÃO 66 (1966) - 11 minutos
Documentário que registra a posse de José Sarney como governador do Maranhão. Foi financiado pelo próprio evento que marcou o início do domínio político da família Sarney no Estado, que perdura até hoje. Em contraponto ao discurso de posse e da multidão em celebração, o filme mostra a miséria da população a ser governada.
“É uma reportagem sobre as eleições de um governador (José Sarney) no Maranhão; é muito importante para mim, porque o filmei com som direto e foi uma experiência muito útil para “Terra em Transe” porque participei das etapas de uma campanha eleitoral”. Glauber Rocha - “O Estado de Minas” – 13/05/1980.
QUINTA - 03/11 - 19 HORAS NO ANFITEATRO JOÃO CARRIÇO - (Av. Rio Branco, 2234 (Prédio da Funalfa) - Centro)