quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O Homem Elefante





































Por Emílio Franco Jr. 



O hoje consagrado diretor David Lynch dirigiu O Homem Elefante (The Elephant Man, 1980) no início de sua carreira. Com o filme indicado a oito prêmios Oscar, Lynch já se destacara desde então como um cineasta diferenciado. Filmada em preto-e-branco, a história real do homem de rosto e corpo desfigurados, que é usado como atração principal pelo dono de um circo na Inglaterra vitoriana, é uma bela lição sobre humanidade.

A trama é desenhada com clareza e a narrativa, simples e objetiva, contrasta com o Lynch de tramas complexas como o de Cidade dos Sonhos (Mullholand Drive, 2001). Contido, sem maneirismos inovadores, o diretor segue à risca a cartilha de filmagem do cinema clássico e se sai muito bem – anos mais tarde, pôde se arriscar com o abstrato que o consagrou entre os cinéfilos.

Logo de início, o circo apresenta seu show de bizarrices, no qual o homem elefante, interpretado por John Hurt, é a atração principal. Tratado como se fosse de fato um animal em razão de sua rara doença, o homem que posteriormente se apresenta como John Merrick sente-se coagido e parece não conseguir enxergar em si próprio um ser humano. Apenas quando o Dr. Frederick Treves (Anthony Hopkins) se revolta com a exploração que é feita de John e resolve tentar ajudá-lo de alguma forma, é que o próprio homem elefante começa a se descobrir com alguém tão normal como qualquer outro.

John Merrick pode parecer, a princípio, uma exceção em razão de seu físico, mas, na verdade, é a representação de algo/alguém que foge da normalidade cotidiana, daquilo que é classificado como comum, e por isso sente na pele o preconceito, já que tudo o que é diferente tende a ser visto com receio e medo pela sociedade. A situação enfrentada pelo homem elefante não difere de problemas pelos quais outras muitas pessoas com alguma deficiência ou diferença passam.

É assim, ao realizar essa identificação com o espectador, que a história se estabelece como uma narrativa atemporal – e faz sua mensagem ser compreendida e, acima de tudo, sentida. Sensível na construção do enredo, O Homem Elefante mostra a jornada de autodescobrimento de um homem que, por ser diferente, aceitava de forma passiva ser considerado uma aberração. O desenvolvimento do personagem e suas novas percepções de mundo emocionam.



Explorado durante muito tempo pelo responsável pelo circo, John sente-se sempre na defensiva e é incapaz de cometer um ato de maldade contra aqueles que ainda se aproveitam de sua imagem e o maltratam, justamente por ser, no fim das contas, um ser humano, expondo, ao mesmo tempo, o lado animal - e desumano - daqueles que se consideram normais. E é quando o próprio médico reflete sobre seu caráter, ao ponderar a hipótese de ter se tornado aquilo que condenava por ter alcançado fama e prestígio ao acolher e auxiliar John, que ele se diferencia dos demais. Esta é uma questão que o diretor entrega ao público, mas ao se questionar, o médico acaba mostrando que em seu ato nunca houve a intenção de se beneficiar da doença de John. A exposição que um dia foi maléfica para o homem passa a ser o que lhe garante o apoio da aristocracia inglesa e o resgata da condição de animal para a de um artista sensível sem condições físicas de demonstrar seu talento – e até por isso os minutos finais são tão emblemáticos.

O Homem Elefante marca o espectador com a construção de seu desfecho.  A cena da estação de trem, por exemplo, na qual John se sente acuado e intimado pelo olhar reprovador dos demais, proporciona frases clássicas que, pelo contexto, tornam-se emocionantes: “não sou um elefante”, “não sou um animal”, “sou um ser humano”, “sou...um homem”. John Merrick foi um homem que conviveu boa parte de sua vida cercado por animais.

HOJE - 03/11 - 19H NA VIDEOTECA JOÃO CARRIÇO 

Nenhum comentário:

Postar um comentário