QUINTA, 12 DE ABRIL DE 2012 | 19H
ANFITEATRO JOÃO CARRIÇO (PRÉDIO DA FUNALFA)
Fonte: Revista Cinética
A
escrita da morte
Esmir Filho prossegue aqui, nesse
ingresso no longa-metragem, com o que já vinha exercitando em alguns de seus curtas,
sobretudo Alguma Coisa Assim e Saliva: aproximar-se do universo
juvenil, adolescente e pós, fabricando imagens que reproduzem ou fazem canal com
as interioridades de seus personagens. Os Famosos e os Duendes da Morte
fala de um rapaz de 16 anos que vive numa típica cidade interiorana gaúcha, devidamente
entediante para um adolescente. Não à toa, esse fã de Bob Dylan tem contato com
a vitrine do mundo por meio da internet, utilizando assim a rede (blogs, flickrs
etc) como um dos canais de transcendência daquele espaço e condição. É através
de vídeos do YouTube que teremos contato com uma personagem quase irreal, uma
mocinha linda, que inaugura o primeiro minuto de filme e que será um mantra no
correr da projeção. O longa explicará, em doses homeopáticas, quem é a pequena
e o rapaz que a acompanha nos vídeos.
Essa
situação (esteticamente diferenciada, meio vídeo texturizado, emulando bastante
as inserções que Van Sant faz em Paranoid Park) é a roldana que faz girar
a história do filme e que, saberemos no meio da história, é afinado a uma idéia
de mistério a ser desvendado. E isso é um tremendo problema ao filme. Porque essa
questão sobre o que são aqueles dois “fantasmas” toma um corpo que acaba disputando
o fundo do funil com aquela que inicialmente parecia ser a questão orbital do
filme: o universo do jovem protagonista, sua vida e sua relação com aquele lugar.
Pelo menos, é isso que o longa faz em seus primeiros momentos – e, seguindo a
cartilha dos bons momentos de sua produção cinematográfica pregressa (já comentada
na Cinética), em que constrói-se na tela um universo bastante coerente com seu
protagonista, fazendo a câmera se juntar a ele na chapação herbal da maconha,
no papo prosaico com seu melhor amigo, na contemplação de um teto de quarto adesivado
com estrelas fosforescentes, na bebedeira com a mãe. Esmir usa planos mais alongados,
para seqüências ainda mais esticadas.
Assim,
causa alguma quebra (que começa com pequenos trincos até uma certa fratura exposta
nos minutos finais), na “resolução do enigma”, a inclinação que vai se dando até
encaixar Os Famosos e os Duendes numa estrutura de roteiro de acontecimentos.
É como se todo o procedimento de alongar os planos, colocar a câmera amiga ao
seu protagonista, registrando pequenos e interessantes momentos banais, tivesse
uma intenção de encaixar o filme num certo modelo, num certo sobrenome. Seria
injusto apontar uma esperteza neste movimento por parte do cineasta, uma vez que
ele vem exercitando seu cinema por esse caminho desde bem antes. Seria mais uma
caligrafia, um talhe de imagem que Esmir Filho sabe fazer e acredita. Mas, ao
comparecer à tela imagens que fazem ponte direta com as do cinema de Gus Van Sant
(sobretudo as de Paranoid Park), parece inescapável constatarmos que ele
dirigiu este seu longa sob forte influência cinefílica. As reiterações e emulações
fazem parte do cinema há décadas, claro, e é inclusive o que renova em grande
parte a linguagem dessa arte. Mas o que não pode ocorrer, para azar justamente
do cineasta, são as pontes e recorrências servirem como uma régua severa, que
apontem falhas que são, de certo modo, recorrentes nos primeiros vôos cinematográficos.
Usando-se
a métrica Gus Van Sant, pode-se dizer que Os Famosos e os Duendes da Morte
puxa para si as imagens em Super-8 de Paranoid Park (imagem ao lado) sem
abrir mão daquilo que Gus Vant Sant faz questão de abdicar: a dramaturgia corriqueira,
a revelação, o aplaino das arestas dramáticas. O filme de Esmir Filho, bem bonito
em alguns momentos mais dedicados ao seu personagem, passa longe de Last Days,
de Gerry, de Elefante e de Paranoid Park, todos mais ocupados
em capturar as superfícies de seus jovens personagens, tateando suas presenças,
observando para tentar descobrir algo mais interior. O filme de Esmir devassa
a interioridade de seu protagonista, numa “traição” ao personagem, mas, sobretudo,
ao que estava sendo mostrado no seu promissor início. A escrita cinematográfica
de Esmir Filho não possui garranchos, mas, no cinema como na palavra escrita,
a boa caligrafia não impede que o texto arruíne a redação.
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