quarta-feira, 11 de abril de 2012

Os Famosos e os Duendes da Morte

 
QUINTA, 12 DE ABRIL DE 2012 | 19H 
ANFITEATRO JOÃO CARRIÇO (PRÉDIO DA FUNALFA)


A escrita da morte
Esmir Filho prossegue aqui, nesse ingresso no longa-metragem, com o que já vinha exercitando em alguns de seus curtas, sobretudo Alguma Coisa Assim e Saliva: aproximar-se do universo juvenil, adolescente e pós, fabricando imagens que reproduzem ou fazem canal com as interioridades de seus personagens. Os Famosos e os Duendes da Morte fala de um rapaz de 16 anos que vive numa típica cidade interiorana gaúcha, devidamente entediante para um adolescente. Não à toa, esse fã de Bob Dylan tem contato com a vitrine do mundo por meio da internet, utilizando assim a rede (blogs, flickrs etc) como um dos canais de transcendência daquele espaço e condição. É através de vídeos do YouTube que teremos contato com uma personagem quase irreal, uma mocinha linda, que inaugura o primeiro minuto de filme e que será um mantra no correr da projeção. O longa explicará, em doses homeopáticas, quem é a pequena e o rapaz que a acompanha nos vídeos. 

Essa situação (esteticamente diferenciada, meio vídeo texturizado, emulando bastante as inserções que Van Sant faz em Paranoid Park) é a roldana que faz girar a história do filme e que, saberemos no meio da história, é afinado a uma idéia de mistério a ser desvendado. E isso é um tremendo problema ao filme. Porque essa questão sobre o que são aqueles dois “fantasmas” toma um corpo que acaba disputando o fundo do funil com aquela que inicialmente parecia ser a questão orbital do filme: o universo do jovem protagonista, sua vida e sua relação com aquele lugar. Pelo menos, é isso que o longa faz em seus primeiros momentos – e, seguindo a cartilha dos bons momentos de sua produção cinematográfica pregressa (já comentada na Cinética), em que constrói-se na tela um universo bastante coerente com seu protagonista, fazendo a câmera se juntar a ele na chapação herbal da maconha, no papo prosaico com seu melhor amigo, na contemplação de um teto de quarto adesivado com estrelas fosforescentes, na bebedeira com a mãe. Esmir usa planos mais alongados, para seqüências ainda mais esticadas.  

Assim, causa alguma quebra (que começa com pequenos trincos até uma certa fratura exposta nos minutos finais), na “resolução do enigma”, a inclinação que vai se dando até encaixar Os Famosos e os Duendes numa estrutura de roteiro de acontecimentos. É como se todo o procedimento de alongar os planos, colocar a câmera amiga ao seu protagonista, registrando pequenos e interessantes momentos banais, tivesse uma intenção de encaixar o filme num certo modelo, num certo sobrenome. Seria injusto apontar uma esperteza neste movimento por parte do cineasta, uma vez que ele vem exercitando seu cinema por esse caminho desde bem antes. Seria mais uma caligrafia, um talhe de imagem que Esmir Filho sabe fazer e acredita. Mas, ao comparecer à tela imagens que fazem ponte direta com as do cinema de Gus Van Sant (sobretudo as de Paranoid Park), parece inescapável constatarmos que ele dirigiu este seu longa sob forte influência cinefílica. As reiterações e emulações fazem parte do cinema há décadas, claro, e é inclusive o que renova em grande parte a linguagem dessa arte. Mas o que não pode ocorrer, para azar justamente do cineasta, são as pontes e recorrências servirem como uma régua severa, que apontem falhas que são, de certo modo, recorrentes nos primeiros vôos cinematográficos. 

Usando-se a métrica Gus Van Sant, pode-se dizer que Os Famosos e os Duendes da Morte puxa para si as imagens em Super-8 de Paranoid Park (imagem ao lado) sem abrir mão daquilo que Gus Vant Sant faz questão de abdicar: a dramaturgia corriqueira, a revelação, o aplaino das arestas dramáticas. O filme de Esmir Filho, bem bonito em alguns momentos mais dedicados ao seu personagem, passa longe de Last Days, de Gerry, de Elefante e de Paranoid Park, todos mais ocupados em capturar as superfícies de seus jovens personagens, tateando suas presenças, observando para tentar descobrir algo mais interior. O filme de Esmir devassa a interioridade de seu protagonista, numa “traição” ao personagem, mas, sobretudo, ao que estava sendo mostrado no seu promissor início. A escrita cinematográfica de Esmir Filho não possui garranchos, mas, no cinema como na palavra escrita, a boa caligrafia não impede que o texto arruíne a redação.

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